sexta-feira, 3 de abril de 2009

O mico é argentino, mas o choro é brasileiro


Na tarde da última quarta-feira, a seleção argentina passou por um dos maiores vexames da sua história. A alviceleste foi impiedosamente goleada em La Paz pela Bolívia, com um marcador final de 6x1, igualando sua pior derrota, ocorrida há 51 anos (contra a Tchecoslováquia, na Copa do Mundo disputada na Suécia).

Além da grande festa que causou entre os bolivianos (cujas chances de classificação ao Mundial da África do Sul são remotas), o resultado serviu para que voltassem à tona os protestos de alguns torcedores e jornalistas brasileiros, que insistem em que jogos na altitude devem ser vetados pela FIFA. Curiosamente, do lado argentino não houve tal manifestação, pelo menos não desta vez.

Em seu blog, Juca Kfouri — um dos mais ferrenhos opositores a jogos em La Paz — escreveu:


A exemplo do que o Equador fez com a seleção da CBF nos 2850 metros de Quito, a Bolívia massacrou a Argentina nos 3600 de La Paz.

Só que fez os gols que o Equador desperdiçou e Júlio César evitou.


E, mais adiante:

Bem feito para Maradona que, demagogicamente, apoiara Evo Morales em sua cruzada contra a proibição da Fifa para jogos acima dos 2800 metros.

Juca comete dois erros. O primeiro ao comparar a derrota argentina no estádio Hernando Siles com o empate brasileiro em Quito. Embora ambos jogos tenham sido disputados em cidades altas, não é possível querer livrar a cara da indolente seleção nacional e creditar seu pífio desempenho no Equador à altitude. Se o chamado "time dos empresários" dependeu de Júlio César para não viver drama semelhante ao dos hermanos, deveu-se mais aos conhecidos problemas do time do que o lugar em que o jogo foi disputado. Insinuar o contrário é fazer o jogo de Dunga e companhia, ainda que involuntariamente.

O segundo erro foi o de mandar um bem feito para Maradona por ter apoiado os jogos na altura e ainda acusá-lo de ter sido demagógico. Ora, então ele não pode estar a favor de que uma cidade tenha direito de assistir jogos de futebol? Demagogia é querer proibir partidas em países pobres e sem nenhum peso político (como é o caso de Bolívia e Equador), quando todos sabemos que se Buenos Aires ou São Paulo estivessem situadas a 3.000 metros sobre o nível do mar estas questões nem sequer seriam discutidas.

Pior fez Milton Neves, que demonstrou estar em sintonia com o desafeto Juca quanto ao assunto. Aqui alguns trechos do seu post sobre o jogo:


Parece mentira: Bolívia 6×1 Argentina. E quem jogou muito foi a altitude!

E o que fala agora o Maradona, que tanto defendeu jogo acima dos 2.500 metros do nível do mar? O Dieguito aprendeu o que é bom para tosse.

Eu sou contra! O grande craque boliviano (é) mesmo a desumana altitude. Um jogador cruel para os adversários bolivianos.

É um jogador indecente, que não pode ser mais escalado. Qualquer hora algum jogador vai morrer jogando em La Paz ou em outro lugar com enorme altitude.

Mas agora, mais do que o Otello, mais do que ex-cruzeirense Marcelo Moreno, quem jogou muuuuuuito para a Bolívia foi a altitude!


Como de costume, MN escreveu um monte de bobagens sem pé nem cabeça, com direito até a uma referência mal feita e fora de contexto a um conhecido personagem shakesperiano. O apresentador afirma que algum dia um jogador morrerá na altitude, mas se esquece que jogos oficiais de futebol são disputados há muitas décadas nessas condições, sem que se registrassem casos de óbito; sabe-se, contudo, que o forte calor de algumas regiões do planeta já ocasionou mortes no campo, sem que se escutassem pedidos de proibição de práticas esportivas em temperaturas acima de 30º (claro, pois interesses comerciais estariam seriamente afetados neste caso).

Milton Neves finalmente conclui que quem jogou muito contra a Argentina foi a altitude. Ora, se é assim, seria interessante perguntar a ele porque o rendimento desse jogador havia sido tão ruim até agora, uma vez que a Bolívia não havia conquistado mais do que duas vitórias em toda sua campanha nas eliminatórias (uma contra o bom Paraguai e outra contra o fraco Peru).

De todos, quem se saiu melhor foi Vitor Birner, que postou um texto do qual destaco o seguinte trecho:


Também não tenho a menor dúvida que a altitude de La Paz é o maior trunfo boliviano nas eliminatórias.

Mas nada disso explica o pífio desempenho.

Levar 6×1 da Bolívia é dureza.


Embora reconheça a altitude como a principal vantagem dos bolivianos quando jogam em casa, ele não a utiliza para tentar explicar a injustificável surra levada pelo time de Tevez e Messi em terras pacenhas. Trata-se de uma postura muito mais mesurada, que se comprova na linha em que ele diz: "Não gosto da defesa argentina, nem do trabalho do meio".

Ou seja, dos três blogueiros citados, Birner foi o único que se dispôs, ainda que sucintamente, a fazer uma leitura mais inteligente do que havia ocorrido. Com sua breve referência ao esquema tático adotado por Maradona, chegou ao porquê da acachapante derrota. De fato, a fragilidade apresentada por uma seleção treinada por um homem que foi excelente jogador mas é completamente incapaz como técnico é facilmente explicada pela ausência de recursos de que este dispõe para comandar e organizar uma equipe de futebol.

Com tudo isto, não quero dizer que a altitude não afeta o rendimento dos jogadores. Ela tem influência sim, mas não mata ninguém e seus efeitos dependem muito do metabolismo das pessoas. Jogar na altura é sem dúvida uma vantagem para a Bolívia, mas é uma vantagem legítima proporcionada por sua geografia. É importante frisar que a maior parte dos atletas da seleção boliviana é oriunda de Santa Cruz, Beni (terras baixas) e Cochabamba (altura moderada), e que portanto estes também estão expostos a ter um rendimento inferior ao normal.

Finalmente, posso apostar que a maioria dos que criticam os jogos na altitude jamais visitaram essas cidades. Em poucas palavras, falam do que não sabem. Eu já estive em La Paz (3.600 m) e Potosí (4.067 m) e inclusive joguei futebol na capital administrativa da Bolívia (a oficial é Sucre). Não passei mal, tive o cansaço natural após realizar qualquer atividade física e meu desempenho foi o mesmo de sempre. Ou seja, medíocre. Mas essa é uma outra história, que nada tem a ver com a altura ou o choro de jornalistas que querem mamão com açúcar e melzinho na chupeta.

Foto: EFE, publicada no diário argentino Olé

2 comentários:

Weslley disse...

Ótimo texto, legal essa visão crítica sobre a mídia, da um estilo diferente no blog em relação aos outros blogs. Só ta faltando vc divulgar mais seu blog. É um desperdicio um texto tão bom sem nenhum comentário.

Abraço

Justiceiro disse...

Poxa, Weslley, valeu pela visita e pelo comentário. De fato, eu não fiz ainda nenhuma divulgação do blog, aí fica difícil ter visitas, não é mesmo? Se bem que todo blog quando começa é assim, os comentários são escassos no começo. Mas vou seguir teu conselho e dar uma divulgada por aí. Grande abraço.